24/06/2009

Capítulo 7 de "Rayuela", do Cortázar

"Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água."

Bueno, em espanhol fica ainda mais bonito...

3 comentários:

Alice Salles disse...

Aposto que fica. Mais cheio de sangue.

Alice Salles disse...

Comprei o Blow-up num sebo aqui por 3 pilas. Em inglês. Li dois contos e os achei bem comuns. Acho que comprei o livro errado.

Paulo Barbosa disse...

Ué, mas o Blow-up é inspirado nos contos do Cortázar, senão me engano. Não sei se é uma adaptação. De qualquer forma, o filme é magistral. E dos contos do Cortázar, gosto de todos. Bem, continue lendo o argentino: é preciso lê-lo sempre.