31/03/2008

O cinema sujo de Cassavetes

Antípoda do artifício, o cinema de Cassavetes quer a realidade: quanto mais “real”, melhor. Daí que as suas tomadas mal filmadas, seus planos deselegantes fazem todo sentido para quem interessa-se mais pelo discurso. Em interpretação magistral, Ben Gazarra conduz Morte de um bookmaker chinês para revelar o submundo de uma boate de strip-tease. É um filme sujo, de baixo orçamento, mas eficiente em mostrar algo da realidade norte-americana que o cinemão oficial teima em esconder.

Across the universe

O musical não morreu. Está vivíssimo, por exemplo, no recente Across the universe, de Julie Taymor, e a cada vez que alguém procura homenagear o gênero, até no que ele tinha de chato. Across the universe traz uma releitura de clássicos do repertório Beatle, de maneira despojada e carregando nas tintas do artifício. O resultado é um longa videoclípico, com algumas seqüências inspiradas no grande Busby Berkeley. A história parte de um pretexto bobinho e adolescente: rapaz working-class inglês encontra garota americana loira e linda. Se o roteiro não traz nada que se aproveite, os atores também não convencem: em vozes agudas e anasaladas desfiam, para desespero dos ouvidos, grandes clássicos dos Beatles. Para completar o espetáculo kitsch, dá-lhe excesso de raccords, câmeras lentas e exagero de recursos climáticos.

27/03/2008

Histórias de vida

Encontrei o velho amigo no Maletta. Entre umas e outras, contou ter sido deixado pela mulher, que não queria largar a coca. Deprimido e sem dormir, ele tomou três cartelas de Rivotril. Ainda insone, tomou mais três de Dramin e ligou pro Samu, que explicou não atender casos de suicídio. Foi acordar três dias depois, já no hospital, os médicos fazendo a curetagem.
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A distinta senhora veio preencher o cadastro do condomínio. Paraense, largou o marido lá para vir cuidar do filho, que faz faculdade e mora sozinho. Visivelmente deprimida, contou, às lágrimas, não ter se adaptado à cidade. Acha tudo e todos muito estranhos. Respondi que moro aqui desde que me entendo por gente e acho a mesma coisa: BH não é para amadores.
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O amigo me ligou dizendo que vai tocando seu barquinho a vapor. Dores na coluna, infecção urinária, fígado em petição de miséria: é o saldo do divórcio, após vinte anos de casado. Ao consultar-se, o médico, outro separado, disse a ele ser esta a pior experiência que alguém pode passar. Receitou-lhe acupuntura, cerveja sem álcool e outra mulher.
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Dada a crises psicóticas, a velha senhora foi à igreja Universal. Os pastores viram-na frágil e entenderam de tirar-lhe o demo. Ela diz que foi curada de um problema qualquer nos rins e que agora quer curar-se de um nódulo no pescoço. Vale tudo para evitar as cirurgias pelo SUS.

25/03/2008

Hitchcock por Godard

O cinema de Godard é talvez a melhor antítese do de Hitchcock. Isso não impediu Godard de prestar reverência ao mestre da eficiência, em sua História(s) do cinema. Nesse sentido, Hitchcock seria aquele que "foi bem-sucedido no ponto em que Júlio César, Napoleão e Hitler fracassaram: exercer o controle sobre o universo". Assino embaixo.

24/03/2008

John Cassavetes

Jazz, externas, relações interraciais, improvisação de atores, existencialismo: tudo isso no filme Sombras, de fins dos anos 1950. Um maravilhoso exemplo de como um visual tosco e despojado (para padrões hollywoodianos) pode se tornar estilo. Não admira Godard colocar John Cassavetes entre os melhores diretores americanos daquela fase. Cassavetes era o cara!

23/03/2008

Não estou lá

Todo mundo conhece os casos famosos de Bob Dylan nos anos 60: apresentou maconha aos Beatles, foi cantor de folk, barbarizou seus fãs ao montar uma banda de rock’n’roll, uniu-se a Joan Baez em canções de protesto, visitou Woody Guthrie antes de o bluesman branco morrer, converteu-se ao cristianismo nos anos 70, etc.. O que o diretor Todd Haynes faz em Não estou é alinhavar esses casos de forma que, em cada um deles, Bob Dylan seja encarnado por um ator diferente. As histórias contadas pelo filme não têm qualquer pretensão documental, sendo assumidamente fantasiosas. O resultado é interessante no que procura dar à montagem um ritmo musical, pontuado pela atuação dos diversos Dylans. Com isso, Não estou lá foge à narrativa linear, optando por uma narração fragmentada, opção adequada a um filme que evita a seriedade. O melhor dos episódios é sem dúvida o vivido por Kate Blanchet, irretocável e completamente blasé no papel do bardo norte-americano. Os grandes clássicos de Dylan também marcam presença, de Visions of Joana a Like a rolling stone, o que compensa a ida ao cinema, já que o filme não chega a ser essencial.

22/03/2008

Em Paris

A velha e boa escola francesa de cinema ainda gera bons frutos. Em Paris começa com o narrador lançando a pergunta: pode o amor levar alguém a pular da ponte? O que se verifica no restante do filme é uma resposta afirmativa, expressa pela trajetória de rapaz que, separado, tenta curar-se da depressão pós-rompimento. Um flash back traz o rapaz como refém do amor de sua mulher, que decide os destinos do casal (assim costuma acontecer). Tem-se uma cena de sexo, e a mulher dirige ao partner a pergunta fatídica: por que você sempre toma banho depois de transar comigo? Ela mesma dá a resposta, explicando que seria pelo fato de o rapaz não querer misturar-se ao suor dela, pois a considera suja. Logo, ele não a ama mais e nada haveria a fazer diante disso, a não ser separar. O filme, em suma, trafega pelo binômio sujeira/limpeza para discorrer sobre os caminhos e descaminhos das relações humanas, levando a pensar que amar, afinal, deve ser exatamente sujar-se, lambuzar-se no outro...

20/03/2008

Rambo com botox

O rosto de Sylvester Stallone não foi o único a ter recebido botox para o remake Rambo IV. O roteiro deste ícone da violência nos anos 80 também levou doses cavalares da substância, buscando inflar um argumento já flácido, originalmente criado para justificar o belicismo reaganista. Estica daqui, puxa dali e o resultado é parecido com um bolo ao qual se acrescentou muito fermento. No plot, o sul da Ásia é uma terra de povos rústicos e ignorantes. Grupos rebeldes instauram o caos, matando mulheres e crianças. Os americanos estão lá para fazer o bem, mas são sequestrados pelos rebeldes. Resta a Rambo empunhar a metralhadora e liquidar, sozinho, um exército de asiáticos, a exemplo do que fez com os vietnamitas no segundo episódio da série, para resgatar os americanos. Só que os tempos são outros, e a ação de Bush no Iraque, por exemplo, sofre críticas severas também nos EUA: se Rambo pela quarta vez e com um recauchutado Stallone soa ridículo hoje, também é pra lá de pífio o argumento sobre o qual o filme procura se sustentar. A curiosidade mórbida, porém, leva-me a ver o filme, que mostra o incrível trabalho do tempo, do botox e da cirurgia plástica sobre a imagem mutante de Stallone.

Ladrões de bicicleta

Na Itália do pós-guerra, colador de cartazes de cinema tem a bicicleta roubada e é impedido de trabalhar. O resto do filme gira em torno da busca obstinada do homem pela bicicleta, que metaforiza a passagem para uma vida melhor: sem ela, não há hipótese de futuro. A grande metáfora de Ladrões de bicicleta (1948), entretanto, está nas ruas, que De Sica filma de maneira magistral. Por aqui, circulam as almas esfoladas do que sobrou da Itália, finda a 2º Guerra. É por aqui também que vão transitar os desejos e aflições do povo, mantido a uma distância de segurança pelo cinemão de estúdio, hegemônico àquela altura. Atores não-profissionais, externas, luz natural: o neo-realismo quer a vida lá fora, quer o homem comum nas telas, com tudo que tem de simples e de complexo. Convidado a entrar, o povo gostou e foi ficando: o cinema nunca mais seria o mesmo a partir dali.

19/03/2008

Samuel Fuller em "Acossado"

Na certa, o ilustrado leitor deste blog já terá visto "Acossado", de Godard, ainda que não o considere, como eu, um dos melhores filmes de todos os tempos. Nesse caso, deve se lembrar de uma sequência na qual um escritor pra lá de cínico entrevista-se com repórteres à sua chegada em Paris. Este escritor é o Samuel Fuller, diretor norte-americano de quem falei num post aí embaixo! Vale a pena rever o filme só para ouvir as declarações do personagem, em palavras que Godard pôs em sua boca para ilustrar o que ele mesmo (Godard) pensava de literatura e cinema. Mais adiante, reproduzirei o texto aqui. Aguardem.

11/03/2008

Happy ending?

Há quem diga que só faço estórias com finais tristes. Não cabe sentido nessa afirmação. Narrar é como construir uma casa, "brick by brick", diria o Iggy Pop: você organiza a estrutura até um determinado ponto e, quando sente que não há mais nada a dizer, a termina. Uma narrativa é construída a partir de certos pressupostos e isso conduz a certo final, independentemente se triste, melancólico ou feliz. Às vezes, têm-se vários desfechos para uma mesma estória, e opta-se pelo mais expressivo. Outras vezes, a estória organiza-se segundo uma estrutura rígida, utilizando-se de padrões estéreis como o alfabeto, ou números, e nem final isso irá ter, exceto aquele fixado pela última letra, ou pelo último número. Foi o que fiz, quando roteirizei o filme de 5 minutos "Catálogo de biografias efêmeras", com nomes em ordem alfabética, de A a Z. É também o modo pelo qual cineastas como Peter Greenaway costumam montar suas narrativas. Nem tudo, em artes narrativas, tem que ter começo, meio e fim. Principalmente final feliz - deixemos isso para a vida.

07/03/2008

Lula era a onda

Mais um texto, de 2003, do boletim da universidade. A onda era o mensalão e o tiro no pé do governo Lula. http://www.ufmg.br/boletim/bol1496/segunda.shtml

Uakti solitário

Texto que escrevi em 2002, publicado no boletim da UFMG. Causou espécie e motivou a realização de um documentário, ainda inconcluso. http://http//www.ufmg.br/boletim/bol1388/segunda.shtml

04/03/2008

Uribe

Alguém duvida que o ataque de Uribe às Farc tem o dedo dos Estados Unidos? Se quiserem saber algo mais sobre o presidente Uribe, que a mídia tupiniquim tenta mostrar como modelo, acessem esta matéria, na Newsweek: http://www.newsweek.com/id/54793

Chargezinha anual sobre o aumento mínimo do mínimo


03/03/2008

Paradoxo

O amor que um dia deixou de amar terá sido de fato amor?