13/05/2010

De homens e formigas

Adoro formigas e o mundo difícil e mínimo em que vivem. São insetos incríveis, carregando para cima e para baixo enormes torrões de açúcar, grandes migalhas de pão e rubicundos grãos de arroz. Desaparecem com seus alimentos para dentro de profundas cavernas construídas nos interruptores, no rejunte dos azulejos, no vértice das escadas e até nos teclados de computadores, de onde costumam entrar e sair em trânsito frenético. Onipresentes, circulam por aí a partir um micro-sistema de artérias e vasos capilares, sempre buscando comida, preferencialmente fermentável. Se não acham alimento – objetivo central de suas existências –, transferem-se com rapidez e em grandes êxodos para outras plagas, onde construirão novos e intrincados condomínios subterrâneos para guardar os ovos de suas descendentes. E podem morrer aos milhares à simples passada de seres dezenas de vezes maiores que seus frágeis exoesqueletos, conquanto suficientemente fortes para sobreviver ao apocalipse, a exemplo das velhas e proverbiais baratas.
Viciei-me em formigas sobretudo depois de ler Julio Cortázar, escritor atento à epopéia desses curiosos animais. Nos contos do argentino, há sempre formigas com cabeças de homem, homens com cabeças de formiga, mulheres-formiga, homens-formiga. Para o escritor, formigas e homens habitam em igualdade de condições um mesmo mundo fantástico, onde rigorosamente tudo é possível, até a realidade. Nas simbioses, mutações e metamorfoses de Cortázar, a vida nos grandes centros surge, pois, muito próxima àquela do interior dos formigueiros. Para este autor, a semelhança do nosso universo com o das formigas parece estar nesta diligência nervosa com que conduzem suas existências, sempre em elétrico movimento de auto-preservação. É assim que imagino as formigas tão avançadas em tecnologia quanto nós, ou até muito mais, a ponto de já disporem, no interior de seus esconderijos, de recursos eficazes o bastante para permitir que migrem a outros planetas e os colonizem, em caso de uma eventual hecatombe nuclear. Nesse último quesito, os pobres seres humanos temos larga desvantagem em relação às himenópteras. Até agora, faltou-nos tempo para elaborar uma tecnologia útil em nos fazer cruzar o éter, desembarcar num novo planeta, habitá-lo e civilizá-lo, quem sabe em bases menos irracionais. Estivemos muito ocupados inventando o apocalipse.

Um comentário:

Renata Lopes Leite disse...

É...a velha diferença entre homem e animal.