05/05/2012

Assim morrem os pianos
Lá em casa tinha um piano. Chegou a nós como herança da avó materna. Gastas e desalinhadas, as teclas ainda tocavam bem. Não negavam melodias às novas gerações, embora rilhassem os dentes ao toque dos iniciantes. Era um piano temperamental. De ébano luzidio, tinha forro de veludo vermelho por dentro e grandes harpas douradas. Instrumento caseiro mas elegante, não faria feio apresentando-se em grandes concertos. Nos últimos anos, porém, não tocava nem o bife. Estava gasto, velho, triste. Ninguém lá em casa se animou a seguir o caminho da música, e o piano foi ficando meio de lado. Não demorou muito e começou a errar o tom, negar notas, faltar com sustenidos e bemóis. Faz pouco, o piano calou-se para sempre. Especialistas tentaram, em vão, reanimá-lo. Examinaram-no de alto a baixo, sem que seu problema fosse detectado. E não houve quem pudesse tirá-lo daquele profundo e inexplicável mutismo. Terminou seus dias vendido a um Topa Tudo como sucata. Mudo, porém vingado. Quem não soube entendê-lo foi aquele bando de ingratos.
Também recentemente publicado no blog da Alice Salles

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